DESLIGUE O COMPUTADOR E VÁ LER UM LIVRO

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

quando mamãe sai de casa

Tem barulho lá em cima. É só mamãe sair pra começar a gritaria. Se trancaram no quarto. Paulinha e Jorge de novo brincando sem roupa. Mamãe tem dito que faz calor até pro diabo. Dentro do quarto deve ser ainda mais quente. Ela é corajosa: rancar roupa na frente dos outros. Eu só tiro roupa pra mamãe, no banho! O Jorge é estranho, faz cócegas na minha irmã. E ela agora deu pra gostar disso. Quando eu faço, levo tapa. Acho que o calor tá diminuindo, tão se abraçando agora. Ele e ela na cama. Paulinha agora tem boca suja. Se a mamãe descobre que ela anda falando palavrão enquanto brinca, briga com os dois. Ela tá gritando, com dor. Ele deve tá machucando ela, brincadeira de mau gosto. "Abre a porta, Jorge. Se machucar minha irmã eu te arrebento". Sou valente. O segundo mais forte da 3º série.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Concurso Literário Revista Piauí


Hoje é um dia muito especial!
O conto "Edifício Três Marias" foi o grande vencedor do último Concurso Literário da Revista Piauí, Editora Abril. A revista comemora 3 anos e, é um grande prazer participar dessa festa.

Acesse o site da
Revista Piauí.


quarta-feira, 16 de setembro de 2009

edificio três marias

Terça-feira, 7:43am, Av. Brasil: "aí eu peguei e liguei na hora...", "parei de fumar semana passada e...", "acredita que engordei outra vez...", "alí ninguém presta, mesmo...", "comprei na liquidação, mas não conta...", "isso! na gaveta de baixo, abre ela...". As pessoas passavam por ele como se não existisse. Usavam roupas coloridas, uniformes, casacos, decotes. Era como se não estivessem na mesma estação, na mesma cidade, na mesma época. Ele seguia em linha reta, com um olhar altivo. Passou pela faixa de pedestres, banca de jornal, banco itaú, mercantil e bradesco. A cada minuto batia a mão no peito conferindo se a carta estava no bolso. Havia tomado banho decente e se barbeado após semanas. No pescoço, uma pequena cicatriz: culpa da navalha e da falta de prática. Os sapatos estavam engraxados e combinavam com a camisa de linho. Dobrou à direita na Getúlio Vargas e quase pisou nuns pombos que bicavam a calçada. Parou por um momento e olhou pra cima. O céu, já azul, era invadido por algumas nuvens. Ao redor, alguns prédios e letreiros de publicidade. À frente, a catedral. Era bem alta, pena não ter janelas. Andou mais alguns passos e entrou no Edifício Três Marias. Disse ao porteiro que iria à radio e entrou no elevador. Avaliou que 8 andares eram suficientes. Conferiu a carta no bolso da camisa e apertou o botão do 8º. O elevador era barulhento. O Edifício, um dos mais antigos de Maringá, década de 1960. Saltou no andar escolhido assoviando as notas de Lady Writer, o andar vazio. Verificou as janelas, todas fechadas. Olhou a cidade de cima e achou antipática. Tomou impulso no corredor e pulou contra a vidraça, depois contra o vento e caiu em cima dos pombos.
Quarta-feira, 7:44am, Av. Brasil: "não soube? foi ali pertinho, na getúlio...", "rapaz novo, nem 40 anos...", "é verdade! o vidro do carro quebrou com o impacto...", "deve ser mais um desses drogados...", "parece que era escritor, mas ninguém conhece...", "tinha uma carta no bolso, mas ninguém entendeu a letra...".

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

remoto controle

4, 6, 8, 10, 13, fora do ar, 23, 25, fora do ar.
4, tiro, 8, 10, pastor, fora do ar, 23, menina com maquiagem esquisita, fora do ar. Bosta de televisão! O médico avisou que depois dos 70, insônia era comum. A menina da maquiagem até que tinha as pernas grossas, mas dançava feito bêbada. Acendeu um cigarro e fumou numa tragada só. Ai, se a filha descobrisse que estava fumando, tomava castigo. Velho não serve pra nada. Só pra tomar sopa, remédio e castigo. Ele sabia se vingar: dia desses ficou tão nervoso, que se mijou inteiro de propósito. Lalinha o xingava lá do tanque enquanto lavava suas calças e ele ria tanto, que se engasgava. Ria, tossia e engasgava.

4, tiro e pneu queimando, jô, 10, pastor segurando copo d'água, fora do ar, 23, música insuportável, fora do ar. Ele prometeu se comportar e parar de fumar quando ela ameaçou vender a tv. Pura implicância da Lalinha, dizia quando alguém perguntava. O único que se importava com o pai era o Jorge, filho mais velho. Toda vez que Lalinha ranhetava, já ia o velho pegar telefone pra ligar pro Jorge. Ele nunca atendia as ligações e lá vinha a capeta da Lalinha com a história de que o Jorge nunca atendia por não querer mais saber do pai. Mas ele sabia que o filho tinha seus negócios e qualquer dia fretaria uma Perua, e buscaria ele e a tv pra morar no seu apartamento. O velho iria na caçamba da Perua, sentindo o vento esvoaçar os poucos cabelos que lhe restavam. O filho, preocupado, daria ordem que ele segurasse com força pra não cair.
4, jornal, um beijo do gordo, 10, pastor gritando noutra língua, fora do ar, 23, menina de cabelo rosa e brinco na boca, fora do ar. A luz começou a entrar sem pressa pela cortina da sala. Controle-remoto caído no chão, passos na escada, tv fora do ar, Lalinha chorando em desespero. O velho enfim conseguiu dormir.

segunda-feira, 29 de junho de 2009

quarta-feira, 29 de abril de 2009

Velório do tio nelson

Velório é um saco. Ainda mais quando é de parente. Só vi o tio uma vez no natal, nunca mais. Pra quê velório? Morreu, enterra! Bando de falsos chorando em cima de corpo gelado. Se era tão querido assim, por que colocar no sanatório? Cretinos. Convulsão é o escambau! Morreu foi de tristeza. Solidão. Recebeu só uma visita num aniversário - meias e cuecas. Rasgou tudo. Achei bom. Ficaram tão bravos que nunca mais foram. Depois que o vô morreu, virou essa bagunça. Duvido que não internaram ele só pra ficar com a fatia da herança. Na hora de descer o caixão, a última homenagem: discurso do irmão mais velho – Cinco minutos de pura falsidade. Não agüentei: “Se ele tá morto a culpa é de vocês!”. Meu pai me virou um tapa na boca. Cheguei em casa, outra surra. Família a gente não escolhe. Se pudesse, escolhia o tio Nelson.

sexta-feira, 20 de março de 2009

A mulher que remelava

Jacira nasceu feia, de olho murcho. Quando chorava – noite sim, noite não – o olho murcho remelava. O marido só namorava de luz apagada. Depois do amor, Jacira roubava dinheiro da carteira pra jogar no bicho. Escolhia o bicho de acordo com o humor: quando estava vaidosa, jogava no avestruz, gato; quando o marido fazia agrado, jogava cavalo, touro, leão.
No aniversário de casamento comprou camisola nova, tomou banho de mangueira, passou batom vermelho na boca rachada e sombra roxa no olho que não remelava. Apagou a luz do quarto e deitou-se ensaiando pose sensual no espelho. Ficou de ladinho escondendo as varizes da perna com a mão. Olhou pro espelho novamente e se achou parecida com uma leitoa. Prometeu jogar porco no bicho. O marido não chegava. A perna direita dava câimbras. As banhas transpiravam deixando a camisola molhada. A remela do olho murcho escorreu até a boca e se misturou com a baba no travesseiro. Dormiu.
O marido abriu a porta da sala e ouviu o ronco que vinha do quarto. Decidiu nem chegar até lá e ficou pelo sofá.
Jacira acordou pela manhã com o olho tapado de remela. Levantou-se e viu o marido dormindo na sala. “Cretino”, pensou. Abriu a carteira e pegou o dinheiro do vício. Abriu novamente e pegou mais. Calçou chinelo de dedo e foi pra rua de camisola e olho-só. Pensou no marido e jogou meio a meio: burro e veado.
Se percebesse seu reflexo na vitrine, ganharia uma bolada. Bicho certo era o porco – de olho murcho e remelento.

segunda-feira, 9 de março de 2009