DESLIGUE O COMPUTADOR E VÁ LER UM LIVRO

domingo, 7 de dezembro de 2008

O elevador

Valtinho entrou no elevador e cumprimentou com gentileza a doce senhora que carregava sacolas de verduras. Apertou o botão do 17° e lhe deu um sorriso. Gostou de ver a dentadura da velha meio solta na boca e lhe sorriu novamente. A senhora não poupou dentes e lhe abriu um sorriso deixando metade da dentadura pra fora da boca. Valtinho esticou a mão pra que a ponte da velha não caísse no chão, mas ela chupou a dentadura de volta e lhe mandou um beijo. Valtinho achou engraçado e retribuiu a gentileza. A velha soltou as sacolas da mão esquerda e beliscou sua coxa. Valtinho suou frio. A velha subiu um pouco a mão e alisou sua nádega. Ela soltou as sacolas da mão direita e abriu dois botões do vestido florido. Valtinho se encurralou na parede. Ela pegou uma folha de almeirão e começou a abaná-lo. Valtinho fechou os olhos. A velha abriu um botão da camisa dele e deu mordidinhas no seu peito. Valtinho se arrepiou e quando abriu os olhos viu a língua da velha em direção à sua orelha. Clamou por um milagre e a porta se abriu. Era o 17° andar. Ele saiu apressado do elevador e ganhou mais um beliscão. Olhou pra trás e viu a velha equilibrando a dentadura em cima da língua. Que pesadelo. Valtinho descobriu que preferia escadas.

terça-feira, 18 de novembro de 2008

It's raining

Chovia bastante naquela noite. Ele desceu do carro velho, subiu as escadas, virou a chave e entrou. O apartamento escuro fedia a mijo. Bateu a porta, jogou a bolsa pelo caminho e se esparramou no sofá rasgado. Esticou a mão e procurou um vinil no meio da bagunça do tapete. Dire Straits. Tirou o pó do disco e o colocou pra rodar. Olhando pro teto pensava no fracasso da vida e nas notas de Sultans of Swing. “A vida é mesmo uma bosta”, pensou enquanto acendia um cigarro. Teve sede. Esticou a mão de novo procurando alguma coisa pra beber. Bateu a mão numa garrafa vazia. O som tomou conta do apartamento e ficou mais forte que o cheiro de mijo. Ele dormiu.
A luz invadiu o apartamento pela cortina rasgada e foi na direção do seu rosto. Ele resistiu, mas acordou. Viu as cinzas do cigarro no tapete. Já era dia. Já era tarde. Lavou o rosto na pia da cozinha e tomou água na torneira. Pegou a bolsa no meio do caminho, fechou a porta e foi. Dois minutos depois a porta se abriu novamente. Ele liga o toca-discos e Mark começa a cantar: “You get a shiver in the dark, it's raining in the park but meantime…”. Ele sai cantando e deixa Mark sentindo o cheiro de mijo.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

Quem me dera ser Matias

Matias é um galã. De terninho branco e sandália de couro, não há quem o resista. A fama corre longe. Não há quem o reclame. Rosinha foi a primeira a provar o mel. Que mel. Lourdes quis também. Não se contentou numa única vez e pediu repeteco. Camélia trocou noivado e casa na capital por uma noite com o moço. Matias se meteu com a mulher do delegado. Levou uma surra que perdeu dois dentes. Não faz mal, a mulher do dentista tratou de cuidá-lo. Franzino e mirrado como é, não dão nada por ele. De dia no balcão da farmácia não atende nenhuma. Trabalho é trabalho. À noite o balconista é atração. De voltinha na praça, cumprimenta a todas com simpatia: "Como vai, Primeira Dama!", "Muito boa noite, D. Alice!", "Está muito elegante hoje, Teresa!". Quando sorri, põe o dedo na boca pra tampar a falha no sorriso. Que doce! Matias sabe que é um galã.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

O Pampeiro # 2

"A Segunda é ainda melhor"

Não Perca a 2º edição de O Pampeiro. Novos contos de Michel Queiroz e Alexandre Gaioto.

Contribua com a cultura maringaense. Pague pel'O Pampeiro.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

O velho do 5º andar

Sentou-se cabisbaixo na praça. Com as mãos trêmulas, abriu o jornal. Aquela leitura sempre lhe preenchia as manhãs. Resmungava qualquer coisa entre uma matéria e outra. E quando não se continha, gritava: "Safados da esquerda! Ainda querem mais um mandato!".
O pipoqueiro, o mágico, e o pastor que faziam ponto na praça todos os dias, chegaram num consenso de que o velho era louco. Não sabiam quase nada sobre ele. Sabiam que morava sozinho no 5º andar daquele prédio em frente à praça. Sabiam que o único filho morava na capital, e que às terças e sábados gostava de camisa de linho e chapéu panamá. Há uns 8 anos atrás quando o velho chegou na cidade, o pastor tentou uma aproximação, mas foi logo retrucado: "Leio a bíblia todo dia, pastor. Passar bem!".
Certa vez uma equipe de TV foi procurá-lo no prédio. O porteiro despistou dizendo que o velho tinha ido à feira. Sempre isso acontecia. A mando do velho, cada dia o porteiro inventava uma desculpa diferente: "Foi passar uns tempos em Minas", "O velho não mora mais aqui", "Desculpe, mas ele está acompanhado com três moças lá em cima". Nem o porteiro sabia quem era aquele velho, e porque fugia da imprensa. Uma vez quando lhe perguntou, foi surpreendido pela resposta do velho: "Se eu te contasse quem sou, teria que te matar!". O porteiro não sabia se ele estava brincando ou não, mas por via das dúvidas nunca mais tocou no assunto.
Numa sexta-feira, uma repórter chegou no prédio e perguntou pelo velho. O porteiro, que havia passado a noite na farra e ainda meio de fogo, disse: "O velho morreu!". A repórter abriu um sorriso e sumiu.
No sábado, o velho estava elegante de chapéu panamá e camisa de linho. Sentou-se na praça e quando abriu o jornal, se assustou ao ver sua foto na capa: "Morre solitário, um dos principais escritores do país". Sorriu, satisfeito. Deu uma boa gorjeta ao porteiro e um beijo no seu rosto. O porteiro não entendeu nada e ficou vendo o velho entrar no elevador, rindo como uma criança. "Velho bicha! Se me beijar de novo, te dou uma surra!".

segunda-feira, 30 de junho de 2008

"O Pampeiro"


Novo fanzine em Maringá, voltado para a publicação de contos, crônicas e outros escândalos.

segunda-feira, 23 de junho de 2008

Estelita Bate-Bate

Estelita já foi moça. Jura que foi.
Foi moça há pouco tempo. Jura que foi.
Quando moça, namorou um padre. Jura que sim.
Descobriu que ele era bicha. Jura que descobriu.
Casou-se com João Gostoso. Ficou viúva.
A vida lhe sorriu: Carlos, Manolo, Conrado.
Amores Passageiros: Eternos enquanto duraram.
No pagode, conheceu Tião.
Forte, estúpido, suado. Perfeito.
Foi lhe dar um beijo, levou um tapa. Que homem.
Lua de Mel: fratura exposta. Inesquecível.
Três surras por dia. Paraíso.
Às Pressas pro hospital: Traumatismo Craniano.
Tião mandou flores. Estelita Suspirou.
Certa vez, espancou-a e sumiu.
Ela chorou. Saudade.
Fez juras de amor. Jura que jurou.
“Tapa de amor não dói”. Jura que não.
Michel Queiroz

sexta-feira, 13 de junho de 2008

resmungos numa noite de quarta

Perdia-se na estampa quadriculada da camisa dele. Ao longe ouvia: ‘analisem a oração: é fácil alguém acreditar que é perigoso a Nilce dormir debaixo da jaqueira.’ Não sabia quem era Nilce, ou onde ficava a jaqueira. A camisa quadriculada, tinha cor de sujo, de encardido, realçando a gola esgarçada.
A eternidade deveria ser mais veloz que aquela aula. Tinha pena de sair da sala, e deixa-lo explicando a matéria para ninguém, ou para os quadriculados da camisa. Nesses dias pensava em largar a faculdade, largar a vida. Achava inútil estudar se não via graça no que estudava. Pensava o que faria da vida se largasse a faculdade, o que a vida faria com ele.
Na sala de aula, pessoas feias ostentavam falsas máscaras, com escritos hipócritas: ‘mais inteligente’, ‘mais dedicado’, ‘autodidata’, ‘história difícil, infância pobre’, ‘galinha da turma’, bicha enrustida’. Quando conversava com eles não via mais os rostos, somente as máscaras com escritos em letras garrafais. Pensava qual a máscara as pessoas viam nele. Será que já tinham percebido que tentava disfarçar sua máscara, usando uma face por cima dela?
Cansou do dilema. Esbravejou. Criticou. Sumiu. Nunca mais foi visto. Até que um dia o encontraram sozinho, resmungando como um velho, debaixo de uma jaqueira.

sexta-feira, 25 de abril de 2008

Rádio Novo tempo

Amanhã, 26/04, vou participar novamente do Programa Espaço Jovem Novo Tempo às 15hs, na Rádio Novo Tempo, 104,9. O Programa traz em Pauta o tema "Namoro". Ouça também pelo site da rádio.
Até Lá.

terça-feira, 22 de abril de 2008

blusa verde e jaqueta de couro

no bate-papo:
Princess 24 diz: Então me liga e a gente marca....
Garanhão da Net diz: Blz, teh mais baby...
______________
ao telefone:
-às 9h no boca-quente, vou estar de blusa verde, e você lindo?
-sempre uso jaqueta de couro, baby...
______________
no boca-quente
-já quer fazer seu pedido, senhor?
-Não, valeu cara, Estou esperando alguém...
______________
45 minutos depois:
-oi, garanhão da net?
______________
(não pode ser! isso aí é a princess24? ela não tinha me falado nada sobre ser estrábica! e que blusa verde ridícula!)
______________
-não baby, você deve ter se enganado...
______________
(ela, com um olhar suspeito. ele, em fuga rápida.)

Michel Queiroz

terça-feira, 11 de março de 2008

O Grande Velho

No leito de morte lembrava-se das conquistas, das lutas, das ruas, dos confrontos com os militares. Não entendia como se tornou impotente. Somente o ego ainda lutava. A única luta que o corpo travava, era para se manter vivo. Não podia admitir que o filho se misturasse com aqueles safados da direita comprada. Volta e meia, berrava em delírio convocando os estudantes:
-Em frente, não baixem a guarda!
Viveu em função dos ideais esquerdistas aprendidos na universidade. Mesmo quando serviu ao exército, era disciplinado constantemente, quando flagrado em cima das mesas, propagando os ideais socialistas aos soldados. Não se importava com a farda, com as punições, nem com os superiores. Comemorou efusivamente ao ser expulso de lá, mesmo estando todo quebrado.
Seu neto ficava ao lado da cama ouvindo as longas histórias do avô, e mesmo sendo menino, já tinha afinidade com a esquerda, com o rubro e com os discursos emocionantes.
O menino contou ao avô que levara um tapa na boca do pai ao dizer que queria ser socialista. E o velho, perdeu-se nas lembranças ao recordar da surra que deu no filho quando ele se filiou num partido de direita. Era um dado viciado, um círculo vicioso. Sentia naquele momento um orgulho do neto, ao imaginá-lo nas ruas, como ele liderando um grupo com pedras na mão.
-Vovô, por que parou a história? - o menino tinha sede por ouvir o avô, que não respondeu nada, ficando estático olhando fixamente pela janela, enquanto a fábrica soltava aquela grande cortina de fumaça.
Num súbito esforço, o velho ergueu sua cabeça e segurando a mão do menino, olhou-o com amor e esperança, e numa fusão de pensamentos entre o passado e o presente, entre o real e o fantástico, a verdade e a possibilidade, gritou como nunca:
-Abaixo a repressão! Às ruas, às ruas, às ruas!
Tudo se aquietou. Inclusive o coração do menino. O velho soltou sua mão levemente, e o abandonou para sempre.